sábado, 30 de dezembro de 2023

Max Frisch, Não Sou Stiller

 

Publicado originalmente em 1954, o romance Não Sou Stiller, do escritor suíço Max Frisch, foi traduzido, em 1958, por Fernanda Botelho, para a Editora Arcádia. É o terceiro romance do autor, também dramaturgo e arquitecto, e o primeiro de três obras romanescas em torno da temática moderna da identidade. O segundo, de 1957, é Os Homens Não São Máquinas, uma tradução do título excessivamente interpretativa para o original alemão, Homo Faber. Ein Bericht. O terceiro é Chamem-me Gantenbein, de 1964. Também publicados em Portugal pela Editora Arcádia. Não Sou Stiller combina duas temáticas. A da identidade e a da conjugalidade, o ser-se si mesmo e o ser-se com e para o outro. Um aspecto interessante, embora lateral, é o facto de Max Frisch ser, enquanto dramaturgo, um brechtiano, mas o romance não possuir qualquer intencionalidade política, aliás, em contracorrente com a literatura mais influente da época.

Por estranhos que possam parecer, um ao outro, o romance moderno e a filosofia cartesiana, por diferentes que sejam os jogos de linguagem a que cada um pertence, com as suas finalidades e regras claramente diferenciadas, só muito dificilmente se pode imaginar que esse romance nascido na Europa moderna, com a publicação de Dom Quixote, se pode desligar da posterior odisseia do cogito cartesiano. A afirmação da subjectividade como fundamento do conhecimento teve um preço que Descartes tratou narrativamente. Esse preço foi a sua redução a um eu pontual em risco  de cair no solipsismo e marcado pela descoincidência consigo mesmo, aquilo a que se chama vulgarmente o dualismo ontológico entre a mente (alma) e o corpo. O que Descartes tematiza é essa descoincidência de si consigo mesmo, de um self que mesmo na evidência precisa da certificação dada por Deus, um Deus ex machina, para enfrentar a ameaça de a própria mente descoincidir consigo mesma. O ponto de partida do romance é a afirmação peremptória, feita por Stiller: Não sou Stiller… O romance começa com a afirmação de uma descoincidência consigo mesmo.

A obra divide-se em duas partes. Na primeira, são reproduzidos os sete cadernos de anotações escritos por Stiller na prisão. A segunda, substancialmente mais curta, é designada como “Epílogo do Procurador”. Existem, deste modo, dois narradores. A história começa quando, num avião, um passageiro, com passaporte americano, de nome James Larkin White é tomado por Anatol Ludwig Stiller, um escultor suíço relativamente famoso, desaparecido há seis anos sem deixar endereço. Ninguém sabe para onde foi. Nem a mulher, nem o irmão, nem os amigos, nem os clientes. A polícia suíça interessa-se por ele devido ao desaparecimento coincidir com um caso de espionagem a favor da União Soviética. Quer tirar a limpo se Stiller estava ou não relacionado com o caso. Daí a prisão preventiva de White, a panóplia de técnicas de identificação e a enorme pressão que tanto o advogado de defesa como o promotor de justiça fazem para que ele confesse a sua identidade. Embora a exigência de confissão se inscreva num processo de âmbito judicial, ela emerge como uma possibilidade da restauração da coincidência consigo mesmo. A confissão tem, na verdade, uma dimensão ontológica.

O romance não apresenta qualquer causa para essa descoincidência do protagonista consigo mesmo, mas manifesta três sintomas que a tornam evidente. Stiller oferecera-se para combater na guerra civil espanhola, nas Brigadas Internacionais. Numa missão que lhe fora confiada, a de vigiar um barco no Tejo e evitar que fosse usado pelos franquistas, foi incapaz de disparar sobre eles. Não havia nele qualquer chama revolucionária ou de combatente. Também o seu casamento com a bailarina Julika Stiller-Tschudy é uma prova dessa descoincidência. Aquilo que ela era não coincidia com aquilo que ele esperava, nem o amor que ele lhe dava coincidia com o amor que julgava ter de lhe dar. Também a sua escultura estava longe de se acordar com aquilo que ele entendia que deveria ser a arte. Nestes sintomas manifesta-se sempre uma distância entre a realidade de si mesmo e a expectativa que se tem de si na vida, seja esta a guerra, o amor ou a arte. Não é qualquer envolvimento em casos de espionagem que levam Stiller a desaparecer, mas a impossibilidade de suportar a distância entre as suas expectativas e a sua realidade. O que o conduz à fuga é a impotência para se aceitar tal como é. Na verdade, é um acto de rebelião contra a ordem, seja esta a ordem divina ou a ordem da natureza.

Nos sete cadernos de notas de prisão de Stiller, descobrimos uma teia de relações amorosas anteriores à fuga. A sua relação com a mulher, Julika, a relação daquele que é agora o procurador no caso contra Stiller, Rolf, e da sua mulher, Sybille, e o caso entre Stiller e Sybille, ambos já casados. Há, no romance, um óbvio questionamento do papel da fidelidade no casamento. O adultério não é visto como merecedor de apedrejamento, como Cristo já não o vira, segundo a narrativa evangélica, nem tão pouco de censura moral, o que terá parecido, na época, muito ousado. Sobrepõe-se o valor moral da liberdade individual ao da propriedade. Contudo, o problema da fidelidade é secundário no âmbito do tratamento da conjugalidade. Aquilo que o autor interroga é a possibilidade de dois eus se conjugarem numa vida comum e dotada de sentido. Se se olhar o casal Rolf e Sybille, o convencionalismo burguês, integrando a infidelidade na natureza das coisas, é solda suficiente para seres cujo questionamento existencial é de baixa intensidade. O caso paradigmático é o do casamento entre Stiller e Julika, onde ambos parecem sofrer de um efectivo problema de identidade e, de formas diferenciadas, estão sob forte questionamento existencial pelas respectivas consciências. O que fica claro é que o casamento está longe de ser a solda ideal para que cada um se una consigo mesmo e encontre a sua identidade. Não passa de um longo equívoco, em que os cônjuges não se conjugam entre si, pois não estão conjugados entre o que são e o que imaginam ou desejam ser.

O século XVII continua a assombrar-nos. É o século de Descartes, mas também de D. Quixote, de Cervantes, o primeiro romance moderno, ainda anterior à aventura do cogito. A afirmação da individualidade a partir do Renascimento conduz à descoincidência cartesiana e à de D. Quixote, cindido entre a idealidade imaginária e a dura realidade. Stiller, na sua negação e procura de si, é um herói romanesco que vive entre a necessidade cartesiana de uma garantia e o irrisório quixotesco da sua existência real. Rolf, de cuja mulher Stiller fora amante, tornou-se, durante o processo, seu amigo. Tentou comunicar-lhe que essa garantia da soldadura de si residia em Deus, mas Stiller ficou sempre subjugado à dimensão quixotesca da existência. Ora, essa dimensão quixotesca não é outra coisa senão uma fuga. Não da vida, mas daquilo que se é. A identidade torna-se problemática nesse momento em que aquilo que se é se mostra aos próprios olhos como insuportável. Talvez a questão da identidade não passe, de um ponto de vista filosófico, de um longo equívoco, mas enquanto a sua sombra se projectar sobre os homens, o romance não poderá, na realidade, ter outro tema.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Natália Correia, A Madona

 

Publicado em 1968, A Madona é um romance da escritora açoriana Natália Correia. O tempo da narrativa apresenta-se cindido, dependendo dos espaços da acção, ora uma aldeia arcaica de Portugal, Briandos, onde o tempo pertencia, na verdade, a uma era já desaparecida da Europa, ora Paris, e também Londres, o apogeu da contemporaneidade. A obra é cruzada por diversas tensões que lhe conferem densidade e permitem diversas dialécticas que compõem a sua complexa dimensão semântica. A primeira tensão é entre o arcaico e o contemporâneo, onde se inscreve a oposição entre um Portugal rural e o mundo cosmopolita representado pelas grandes capitais europeias. Uma segunda tensão é a que opõe senhores e servos. A terceira liga-se à dialéctica entre norma e desvio. A quarta tem o seu núcleo dinâmico na relação entre o feminino e o masculino. Todas estas tensões têm como pano de fundo um mundo em escombros. Os escombros das relações quase feudais ainda existentes em Portugal e os escombros de uma certa ordem burguesa e puritana que se desenhava na Europa.

Branca, a protagonista e narradora, pertence a uma família da aristocracia rural, num mundo onde a relação entre senhores e servos surge ainda intocada em pleno século XX. Um mundo que mergulha as suas raízes num passado longínquo, onde ecoam os cultos báquicos e a tragédia grega, onde a superstição regula a vida dos aldeões, numa relação primitiva com as forças da terra e do sangue. Em contraposição estão os ambientes intelectuais de Paris e de Londres, num mundo em efervescência. Se em Briandos a vida se funda no preconceito, na contemporaneidade de Paris ou de Londres vive-se em oposição ao preconceito, numa afirmação do Iluminismo, que acaba, na verdade, por ser pouco luminosa. Branca une esses dois mundos, parte de um e procura integrar-se no outro. Num, logo no início do romance, o coro das carpideiras coreografa a dor, para que o ritual ancestral se cumpra, no outro novos rituais, como despir-se perante estranhos, ainda que numa festa privada, faz parte da destruição dos preconceitos.

De algum modo, o Portugal representado naquela aldeia chega até aos anos setenta. Estruturas arcaicas estabelecem fronteiras rígidas entre as classes sociais, as quais parecem, na verdade, mais castas ou estamentos do que classes. Essas fronteiras, porém, limitam-se à posição social, ao ordenamento do elemento humano na comunidade. Os senhores nascem senhores e os servos, servos. O pai de Branca, contudo, tem o poder, ancestral, de não confinar a sua sexualidade à mulher e ao meio a que pertence. A dominação exerce-se também na busca dos prazeres do sexo. A sua morte nos braços da Carriça, a prostituta da aldeia, sublinha com ironia esse exercício de contaminação de castas introduzido pela sexualidade. O surpreendente no romance é que a herdeira, Branca, acaba por reconhecer também ter direito de desfrutar do corpo de um servo, se isso lhe der prazer, num claro exercício de dominação.

Branca representa assim um duplo desvio da norma tradicional. Após a morte do pai, sai de Briandos para Paris, apoiada pela mãe que não quer que a filha tenha a mesma vida que ela, presa no seu papel de mulher, desprezada pelo marido, trocada constantemente pelas diversas amantes que ele vai encontrando nos seus domínios, até morrer na cama da mais desprezível mulher da aldeia. A ida para França representa uma libertação do papel tradicional da mulher, libertação assente num desvio à norma reguladora do destino das mulheres, independentemente da classe social de origem. Mergulha numa cultura onde o desvio se vai tornando a norma, onde a visão tradicional do catolicismo desapareceu e o prazer parece ser a regra. Esta emancipação do papel tradicional vai permitir-lhe, num momento de cansaço e desilusão do mundo moderno, retornar ao ponto de partida e seduzir um aldeão, uma encarnação, na imaginação de Branca, do Adão original e usá-lo como instrumento do seu prazer e do seu exercício de dominação. O desvio assenta aqui na inversão de papéis. A dominação masculina pela sexualidade é agora substituída pela dominação feminina através da mesma sexualidade.

As figuras masculinas são, por norma fracas, perante a força de Branca. Tanto Miguel como Manuel são dependentes dela. Miguel, um português candidato a escritor, é aquele que inicia a jovem e virginal vinda de Portugal na vida sexual, aquele que lhe abre o caminho para combater os preconceitos, mas, na verdade, não apenas é um impotente enquanto escritor, como fica dependente de Branca tanto do ponto de vista financeiro como do amoroso. Por detrás da retórica do combate ao preconceito, habitava-o o mais comum dos sentimentos de qualquer amante, o ciúme. Manuel, o viril aldeão imaginado como uma força genesíaca vinda do Éden, confunde o seu papel na vida de Branca. Ele não é para ela mais do que a Carriça fora para o pai de Branca. Alguém de que ela dispunha ao seu bel-prazer, sem que as ilusões afectivas que nasceram no coração dele tivessem qualquer impacto em Branca. Uma coisificação do macho, um exercício de dominação de um poder ancestral.

O romance tem sido lido como uma obra de emancipação da mulher, um grito de revolta feminista na atmosfera de sacristia do Portugal dos anos sessenta, uma afirmação da natureza tumultuosa do feminino, da incompatibilidade entre esse feminino e a regra e ordem trazidas pelo poder patriarcal. Ora, uma outra leitura parece possível, e, na verdade, mais plausível. Branca reproduz em mulher a dominação aristocrática do pai. É uma afirmação do poder da casta superior sobre as castas inferiores, mesmo que as estas sejam concedidos prazeres e ilusões. Esses prazeres e essas ilusões têm consequências funestas. Para além da imaginação, onde se inclui a própria imaginação de Branca, está uma realidade implacável, que, chegada a hora, desfaz quimeras e fantasias, e brilha acolitada pela morte. As vozes esganiçadas das carpideiras vibram lívidas nas agulhas que a penedia levanta. Arrepiam as cristas das vagas deste oceano de pedra. Descem de socalco em socalco. Vão lamber o gelo do rio que a geada glaciou e a taça do silêncio sepulcral da montanha enche-se do vinho da tua morte. Assim começa o romance, nesta estreita aliança entre uma realidade dura, sólida, a própria água gelou, e a morte. Toda a obra é explicação desta aliança e uma afirmação de um poder ancestral, que se manifesta agora no feminino. A sensação com que se fica é que os poderes ancestrais derrotaram as fantasias da contemporaneidade.

domingo, 17 de dezembro de 2023

Joaquim Paço d’Arcos, Herói Derradeiro

 

Publicado em 1932, Herói Derradeiro é o primeiro romance de Joaquim Paço d’Arcos. É uma obra que se inscreve no prolongamento do realismo do século XIX e pode ser inscrita no âmbito da literatura colonial portuguesa. De algum modo, o romance parece inspirado em e constitui um tributo a Carlos Sobral (Carlos Burnay da Cruz Sobral), um famoso sportsman da segunda década do século XX, que se terá distinguido em diversas modalidades, mas que teve no futebol a sua glória, tendo passado pelos quatro clubes lisboetas de então, o CIF, o Sporting, o Benfica, onde as suas performances foram mais dignas de nota, e Os Belenenses, clube de que foi fundador. No início dos anos vinte, terá ido para Moçambique, onde acabará por morrer em luta contra um leão. Não é, todavia, a sua faceta de desportista que inspira o romance, mas antes a de homem de negócios e de colono desbravador de África. Não se está, note-se, perante uma biografia ou um romance biográfico de Carlos Sobral. É uma obra ficcional em toda a sua dimensão e não retrata a vida do desportista morto, embora existam cenas por ele inspiradas. Retrata antes o destino do colonialismo português.

O romance inscreve-se nas consequências do Ultimato Inglês e da tensão entre os interesses portugueses e ingleses em África, no caso, em Moçambique. Carlos, assim se chama o herói derradeiro, tem um projecto para dinamizar a colónia portuguesa, desbravando terras para a agricultura e para a instalação da emigração portuguesa, desviando-a do Brasil, tornando-a útil aos interesses nacionais. Portugal, para manter a posse das colónias, precisava de as colonizar, de ter portugueses no terreno, como modo de evitar reivindicações de outras potências coloniais que, perante o abandono das terras de que os portugueses reclamavam a posse histórica, pretendiam tomar conta desses imensos territórios. Apesar de o romance ter sido publicado já à beira da formalização constitucional do novo regime saído do golpe militar do 28 e Maio de 1926, o tempo da narrativa é o da República, a qual nascera quase como uma resposta à fragilidade portuguesa, na questão colonial, perante a Inglaterra. Estávamos ainda longe dos dias em que as colonizações europeias começaram a ser varridas um pouco por todo o lado.

De algum modo, existe uma sombra na obra do jovem Paço d’Arcos proveniente do grande realista nacional, Eça de Queiroz. Também em Os Maias, o protagonista se chama Carlos. Este é uma idealização e um certo tipo de português, tal como Carlos da Maia o era, embora de um outro tipo. Carlos da Maia, apesar dos dons naturais e educacionais recebidos, falhou a vida. O seu diletantismo era claramente impotente para lidar e transformar uma sociedade lisboeta provinciana e decadente, fora do mundo, vivendo nos horizontes estreitos que uma cultura e uma educação fortemente influenciadas pelo catolicismo, a que se associava um marialvismo bacoco e destituído de sentido, impunha sem condescendência. O Carlos de Herói Derradeiro poderia partilhar com o outro de Os Maias a recepção de dons naturais e educacionais, mas nele não havia uma natureza diletante. Pelo contrário, decidiu jogar seriamente o jogo da vida, desbravando novas possibilidades existenciais. Se Carlos da Maia é uma idealização do português superior, mas vencido da vida, Carlos do romance de Paço d’Arcos é a idealização do português desbravador de novos caminhos e de novos horizontes.

O projecto colonial de Carlos vai enfrentar, junto do governo de Lisboa, a concorrência de um projecto de um grande empresário inglês. O conflito que se desenrola nos bastidores permite a Paço d’Arcos mostrar o modo não apenas como os interesses estrangeiros tinham comprado as elites nacionais para as pôr ao seu serviço, mas também a forma de funcionamento do poder em Portugal, onde o tráfico de influências é central para se obter aquilo que se pretende. Há toda uma corrupção moral e material das elites, descrita com ironia, corrupção essa que joga a favor dos interesses estrangeiros e contra os nacionais. Carlos é um patriota, mas na verdade o seu patriotismo é também ele impotente perante as teias do dinheiro estrangeiro. Aquilo que o romance deixa transparecer, nesse mundo onde as colónias tinham um papel central, era debilidade nacional, a sua incapacidade para tecer de modo estruturado uma política colonial, entregando a estrangeiros aquilo que deveria ser entregue à iniciativa de nacionais.

Também como em Os Maias, o amor tem um papel central na narrativa. Não um amor incestuoso e trágico. As figuras femininas de ambos os romances estão envoltas num mistério, mas este é bem diverso. Em Herói Derradeiro o mistério não passa de uma peripécia sem o dramatismo queirosiano. O desvelamento do mistério, porém, tem o mesmo efeito de pôr fim ao romance, embora as razões para isso fossem, na verdade, irrisórias e não as imperativas que impuseram o fim da ligação entre Carlos da Maia e Maria Eduarda, sua irmã. Em ambos os casos, a mulher é sempre envolta num véu, como se a sua natureza fosse essencialmente misteriosa, impossível de ser apreendida pelo olhar simples e desejoso do homem. O desejo que move os homens é incapaz de penetrar no véu que se esconde para além da bela aparência e oculta uma informação essencial. Quando a mulher se torna transparente, o herói perde o pé e cai.

Carlos de Os Maias e Carlos de Herói Derradeiro representam dois tipos de português distintos, se não antagónicos, há, no entanto, algo que, decisivamente, os aproxima. A derrota. Joaquim Paço d’Arcos pintou o seu herói com uma virtude activa que não se encontra no herói de Eça de Queirós, o autor, contudo, não deixa de dar continuidade a uma galeria de vencidos da vida. Também o seu Carlos, esse virtuoso patriota, é derrotado em todos os campos em que desejaria triunfar. Perdeu nos negócios, perdeu, talvez por precipitação, no amor e perdeu existencialmente ao sair derrotado na luta contra um leão. É plausível pensar que o autor, detentor de interesses nas colónias, tenha antecipado, sem ter disso consciência, a derrota do colonialismo português. A figura de Carlos toma, desse modo, um lugar central no imaginário do destino nacional. Ele figura o colonizador ideal e, ao mesmo, tempo prefigura a sua derrota, que o tempo haveria de trazer.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Paolo Giordano, Devorar o Céu

Publicado em Itália no ano de 2018, Devorar o Céu é um romance de Paolo Giordano, autor do famoso A Solidão dos Números Primos. A obra inscreve-se no vasto continente de romances de formação. Acompanha, durante 18 anos, o destino de quatro adolescentes até à sua fase de adultos. Contudo, esta transição entre idades é inscrita na exploração de mundos alternativos possíveis, no confronto entre a vida burguesa citadina e a vida no campo, com a sua utopia de contacto e imersão na terra. Trata-se da história de Teresa, de Bern, Tommaso e Nicola. Teresa todos os anos, no Verão, deixa Turim com o pai e vai para a zona da Puglia, onde a avó paterna vive lendo romances policiais. É numa dessas férias que, devido a um incidente, ela conhece os três rapazes da quinta vizinha à da avó. São três irmãos, embora não de sangue, que vivem com Cesare e a mulher, numa espécie de comunidade alternativa, na qual são educados no amor da terra, na devoção religiosa, na qual Cesare cruza, num estranho sincretismo, a Bíblia e crenças na reencarnação. Não frequentam a escola, mas a sua educação alternativa não deixa de lhes fornecer uma cultura com alguma riqueza.

Desde logo, Teresa deixa-se fascinar por este modo de vida alternativo e por um desses rapazes, Bern, aquele que, de alguma forma, busca devorar o céu, isto é, procura o absoluto nas coisas da terra. Sempre que a busca do absoluto se desloca da vida espiritual para as coisas deste mundo, ela transforma-se em radicalismo. A certa altura, o modo de vida alternativo abre a via, na consciência de Bern, para a ecologia e para um activismo radicalizado em nome da defesa da Terra. Depois dos radicalismos políticos dos anos sessenta e setenta, nos quais as novas gerações de então se propunham substituir o mundo burguês por uma utopia comunista, uma nova motivação anti-burguesa nasce dos problemas ecológicos e do definhar do planeta. O romance de Paolo Giordano, contudo, propõe uma linha de leitura da nova radicalização que a distingue da anterior, a qual, na verdade, nunca é tematizada ou sequer mencionada no romance. Os jovens radicais dos anos sessenta e setenta do século passado vieram da Universidade e das boas famílias burguesas, numa espécie de revolta contra o pai. Aqui, a radicalização de Bern é gerada fora do sistema de ensino, numa espécie de madraça de elevada exigência moral, tutelada por um pai que não é o dele, que lhe inculca uma fé no absoluto. Em Bern incarna-se a primeira virtude teologal que o romance põe em movimento. Bern move-se pela fé.

Teresa, por seu turno, encarna a terceira virtude teologal, a do amor. Apaixona-se por Bern e troca a sua vida burguesa, de estudante bem instalada em Turim, pelo culto da terra e dos valores que emanavam daquela comunidade vizinha da sua avó. Enquanto os jovens estudantes dos anos sessenta e setenta, ao radicalizarem-se, pretenderam, através do terror, destruir o sistema de vida burguês, Teresa limita-se, por amor, a deixá-lo de lado. É a única personagem onde, de facto, o amor se manifesta. Outras personagens parecem também serem tocadas por essa virtude. Contudo, o amor é apenas a capa com que um interesse egoísta se manifesta. Mesmo em Bern o amor não é mais do que uma manifestação de uma ânsia desordenada de satisfação daquilo que o atormenta. Por amor, Teresa troca a vida de Turim pela Puglia. Por amor, Teresa troca a casa da avó, que, entretanto, herdara, vendendo-a para poder suportar a utopia de uma vida ligada à terra, na quinta onde os jovens que conhecera viviam e tinham sido educados. O amor manifesta-se na abdicação e na entrega.

As virtudes teologais, porém, são três. À fé e ao amor há que juntar a esperança. Se é possível fazer encarnar a fé em Bern e o amor em Teresa, a esperança é uma espécie de horizonte que percorre a obra. A esperança de Cesare numa educação mais autêntica do que a educação convencional da escolaridade em escolas do ensino público ou privado. A esperança de uma vida na terra em alternativa à vida burguesa das grandes cidades ou mesmo da agricultura industrializada. A esperança no activismo ecológico como meio para salvar o planeta. A esperança é, em qualquer dos casos, a de uma salvação. Estamos no domínio da soteriologia. O romance não fala nas virtudes teologais, claro, nem tão pouco existe qualquer evidência que elas tenham perpassado na mente do autor. Contudo, é difícil que qualquer tipo de obra literária ou de outro tipo de arte fuja aos grandes arquétipos culturais que permeiam o espaço social em que se vive. Por muito que a Europa esteja em fase de descristianização, ainda hoje está submetida à herança do cristianismo, talvez com muito mais força do que aquilo que pode suspeitar. A esperança é então aquilo que anima as personagens romanescas, que anima a fé de Bern ou o amor de Teresa.

A esperança, contudo, vai-se revelando ao longo do romance como destituída de conteúdo e tudo aquilo que se espera acaba por não acontecer. Não se está perante um romance do desespero, mas de um romance em que a esperança é infundada. A utopia, como é habitual, acaba sempre em tragédia. A fé dinamizadora de Bern, com a sua potência dada por uma grande ânsia de um absoluto terreno, acabou por gerar uma falsa esperança, a qual acaba por esvaziar o amor de Teresa, roubando-lhe o seu objecto, reduzindo-o a uma mera memória. Tudo isto se passa já num ambiente pós-moderno, num mundo lasso, muito diferente daquele em que viveram os jovens radicais dos anos sessenta e setenta e que gerou o terror. Aqui são pequenas tragédias pessoais, com impacto nos mundos privados, mas sem ressonância social. Uma certa leitura do livro não deixará de chegar à conclusão de que sempre que se procura um mundo alternativo àquele que nos foi dado para viver, descobre-se que se vive no melhor dos mundos possíveis e que os mundos alternativos, como fruto de uma hybris que não deixará de ser castigada, são sempre inabitáveis.

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Thomas Mann, Sua Alteza Real


Publicado em 1909, sete anos após o primeiro romance, Os Buddenbrook, Sua Alteza Real é uma das obras romanescas menos conhecida de Thomas Mann. Terá, na época, divido o público e a crítica, tendo conquistado os favores do primeiro e deixado a segunda desapontada. Quando se pensa na obra do autor o que vem de imediato à mente são romances como Os Buddenbrook, Morte em Veneza, Montanha Mágica ou Doutor Fausto. O que terá desapontado a crítica de então e encantado o público foi a obra parecer um conto de fadas, com um casamento por amor e um final feliz, tudo passado num Grão-Ducado, o de Grimmburg, que, também ele, na viragem do século XIX para o XX, parece saído de um conto de fadas. Esta sensação de leveza que percorre toda a narrativa é tudo menos superficial, havendo nela um olhar crítico tanto das instituições sociais como das existências individuais.

O Grão-Ducado é, na verdade, uma visão simbólica de parte da Europa que continuava, por aqueles anos, em convulsão desde que a Revolução francesa, nos finais do século XVIII, pôs em causa o Antigo Regime e as próprias monarquias. Um século não bastou para definir os contornos de um mundo novo. Foi preciso esperar a grande guerra de 1914-1918. Aquilo que Thomas Mann manifesta é a clara disfunção da instituição real – no romance, grã-ducal – num mundo movido pelo desenvolvimento da revolução industrial e da economia capitalista, onde os empreendedores são os grandes heróis que rasgam os caminhos que o mundo vai trilhar. Quando o Grão-Duque João Alberto III morre, o filho Alberto sucede-lhe, mas é um homem doente, neurótico, incapaz de exercer as funções públicas que lhe dizem respeito, que as delegará sistematicamente no irmão Nicolau Henrique. Thomas Mann mostra a decadência da instituição política na doença daquele que lhe dá corpo. A estrutura política tradicional do Grão-Ducado está doente por desfasamento com a realidade do mundo. Essa doença mantém o país atrasado e contamina as próprias finanças do Estado e da coroa. Esta era já, por essa Europa fora, a situação de muitas monarquias.

As grandes decisões políticas já não passavam pela coroa. Esta aquiescia nelas e tinha uma função de representação da unidade do país. A recusa do Grão-Duque incumbente de cumprir as funções de representação abriu o caminho para que o irmão, Sua Alteza Real Nicolau Henrique, figura em torno da qual se desenrola o romance, as exercesse. Como segundo na linha de sucessão do pai e tendo em conta a debilidade do irmão, tinha sido preparado para essas altas funções de representação. Essas altas funções, porém, não desencadeavam absolutamente nada no país. Tudo teria acontecido sem que ele estivesse presente numa inauguração, numa festa, num jantar. A vida efectiva passava ao lado da vida representada. Apesar de aclamado e vitoriado em todos os lugares onde se encontrasse, apesar de amado pelo povo que nele se reconhecia, Nicolau Henrique começou a sentir um grande vazio dentro de si. Tudo era meramente protocolar, uma encenação que servia para dar um verniz à realidade, mas que nenhum poder tinha sobre ela. Não apenas os discursos, mas as meras conversas de circunstâncias eram movidas por hábitos de cortesia protocolares a que faltava o interesse vivo pelas pessoas e pela realidade. O vazio sentido por Nicolau Henrique não era mais do que o resultado da pressão da função sobre si-mesmo, sobre a sua identidade, sobre a pessoa e a sua subjectividade.

Para além de conto de fadas, Sua Alteza Real é também um romance de formação, na tradição do Bildungsroman iniciada com Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister, de Goethe. O romance começa com o nascimento de Nicolau Henrique, um rapaz perfeito, com a excepção do braço esquerdo encurtado e a respectiva mão atrofiada, devido a inibição amniótica, no dizer do médico pessoal do Grão-Duque. A aprendizagem da futura Alteza Real começa na prática com o saber lidar com a sua deficiência, o que o obrigava a um certo tipo de pose. O romance mostra-o, depois, nas diversas etapas de vida. Na escola, no serviço militar, na universidade. Em todo lado, porém, o seu estar ali é uma representação, marcada sempre por uma descoincidência entre a ipseidade, constitutiva da pessoa, e a função inerente ao estatuto. Na verdade, ele não foi um verdadeiro estudante, nem um autêntico militar. Toda a sua formação foi feita para que a realidade, incluindo a sua, lhe fosse invisível. O fundamental era a adequação à função social que o estatuto o obrigava. Mais, o fundamental é que a sua pessoa se reduzisse ao seu conteúdo funcional. A sua aprendizagem é uma aprendizagem do esvaziamento da vida interior e de tudo aquilo que poderia ser marca de uma subjectividade que estivesse para além da máscara social.

O conto de fadas é desencadeado pelo interesse de Nicolau Henrique por Imma, a filha de um alemão, Samuel Spoelmann, cujo pai emigrara para a América, e lá fizera uma fortuna colossal. Spoelmann decide deixar a América e instalar-se no Grão-Ducado, pois as águas termais ali existentes ajudam à sua saúde. Imma é uma rapariga moderna, impetuosa, frequenta a universidade e interessa-se por coisas extraordinárias como a álgebra e outros ramos da matemática. Um longo processo de aproximação vai conduzir ao casamento do príncipe defeituoso e da bela, mas estranha, Imma Spoelmann. Thomas Mann não pinta uma paixão entre ambos, mas um amor que se desenvolve de forma apolínea, digamos assim. Não é um desvario dionisíaco provocado por Eros que os une, mas uma aproximação de ideais, na qual Nicolau Henrique se vê confrontado, para conquistar Imma, em dar conteúdo à sua pessoa, tornar-se um sujeito de si mesmo e até da sua função, dando-lhe um conteúdo pessoal e não meramente protocolar. Isto é, transformando-se num burguês, preocupado com as finanças do Grão-Ducado.

O casamento é visto pelo povo, pela corte e pelos os homens que possuíam o leme político como essencial para a subsistência do Grão-Ducado, à beira da bancarrota, devido a uma enorme dívida externa e sem uma economia capaz de a suportar. A transformação de Imma em princesa é apenas um pró-forma que dá colorido à transformação de um regime aristocrático decadente num regime burguês, assente na gestão rigorosa dos bens e fundado no poder do capital. O que Thomas Mann mostra no romance é a derrota da aristocracia, não porque tenha sido varrida do poder e da coroa por uma revolução violenta como a francesa, mas porque os próprios aristocratas se transformam em burgueses disciplinados. O vazio de uma função que se tornara meramente protocolar e que constituía a pessoa de Nicolau Henrique é, agora, preenchida pela descoberta da subjectividade, pelo interesse pela realidade material do mundo e por um amor apolíneo, onde as aventuras de Eros, movidas por Diónisos, estarão, por certo, rigorosamente vigiadas pelo duro e penetrante olhar de Apolo, com os seus imperativos de submissão à racionalidade.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Julien Gracq, Au Château d’Argol

 

Publicado em 1938, Le Château d’Argol é o primeiro romance de Julien Gracq, pseudónimo literário de Louis Poirier (1910-2007). André Breton considerou a obra como o ponto culminante do surrealismo. Independentemente desta relação com o surrealismo, está-se perante o início de um percurso literário – nomeadamente, no âmbito do romance – de grande qualidade, apesar de o autor estar longe de ser popular. Como o título indica, o acção romanesca passa-se num castelo/palácio da aldeia bretã de Argol, uma povoação realmente existente, incrustada na floresta armórica, a qual, no romance, se funde com o próprio château. Contudo, em Argol não há ou houve qualquer château. É no cruzamento entre a realidade da povoação e a irrealidade do espaço narrativo que o autor produz a mitificação do espaço, retirando-o da dimensão narrativa da existência quotidiana e, de alguma forma, operando uma espécie de consagração, embora de uma sacralidade tenebrosa, na qual emergem as forças obscuras do inconsciente como grandes agentes da acção.

O château e a floresta envolvente, pelo processo de mitificação que está na sua origem, tornam-se o espaço de uma utopia, não no sentido que podemos encontrar naquelas desenhadas por Platão na República ou por Thomas More na Utopia, onde se encontra uma idealização das relações humanas, mas num sentido denso em que se combina a ideia de um espaço estranhamente configurado, como se fora uma sugestão de não espacialidade, pelo menos daquela espacialidade onde habitamos, e a percepção de que ali, naquele lugar que é um nenhures, um não lugar, está suspensa a trivialidade com que os seres humanos gerem as suas relações, e as relações que ali decorrem obedecem a forças que estão adormecidas ou domesticadas na vida quotidiana, a qual só é possível pelo adormecimento e pela domesticação dessas forças. A esta utopia corresponde ainda uma ucronia assente em duas linhas de força. Por um lado, não é claro qual é o tempo histórico da narrativa, pois nela se combinam elementos modernos, como o automóvel ou a referência a Hegel, com intencionalidades românticas e mesmo pré-modernas. Por outro, episódios em que a linearidade temporal é subvertida, onde elementos do passado são, na realidade, elementos de um tempo a vir.

Albert, um jovem aristocrata de grande riqueza, comprou o château possuído pelo demónio do conhecimento. Aos quinze anos, via-se florir nele todos os dons do espírito e da beleza, mas ele desviou-se, com uma singular firmeza, dos sucessos que, em Paris, todos lhe prometiam. O demónio do conhecimento tinha-se já tornado senhor de todas as forças deste espírito. Visitou as universidades da Europa, de preferência as mais antigas, aquelas onde persistia ainda a recordação de um saber filosófico dos mestres da Idade Média raramente ultrapassado pelos modernos. Ao comprar o estranho château na afastada Bretanha, Albert procurava um lugar onde pudesse satisfazer a sua paixão filosófica num ambiente que se aproximaria, de algum modo, daquele que teria sido o dos velhos mestres medievais. O château em Argol era um sítio de meditação e, ao mesmo tempo, de viagem no tempo ao encontro de um passado que, na verdade, não tinha sido, aos olhos do jovem aristocrata, superado, como se a vontade do indivíduo pudesse superar a dialéctica do espírito no seu processo histórico, tal como era compreendida por Hegel.

A certo momento chega ao château Herminien, o melhor amigo de Albert e como ele alguém espiritualmente dotado, acompanhado por Heide, uma belíssima mulher. A partir deste momento suspende-se a vida banal e forças mais poderosas e inconscientes entram em acção, nesse lugar onde o tempo e o espaço tinham sofrido uma subversão. O que vai emergir, quando a vida trivial, com as suas regras sociais e jurídicas, é suspensa não é um hino sublime à beleza, mas a força da violência, de uma violência que vem do fundo do ser e se apodera dele. Essa violência anuncia-se em verdadeiras justas medievais entre os dois amigos, não em combates de cavalaria, mas de confrontos retóricos em torno do saber. Podemos pensar a retórica como uma primeira forma de domesticação da impetuosidade do logos, mas falhamos o essencial. A retórica apenas torna mais sofisticado o discurso enquanto arma de agressão e de luta pela dominação do outro. A tentação de confronto existente desde sempre entre os dois amigos é agora intensificada pela disputa de Heide, pelo triângulo erótico nascido da imediata atracção de Heide por Albert.

O destino das personagens vai ser marcado pelo desencadear da violência, que passa do conflito retórico para a violência física e a morte. A narrativa é construída sob a influência do romance gótico e das obras de Edgar Allan Poe, onde o doseamento do suspense está feito para criar um clima de tensão que antecede o desenlace. A culminação do surrealismo, como adjectivou Breton o romance de Gracq, é, contudo, equívoca, pois o que se manifesta ali não é uma sobrerrealidade, mas a vitória da infrarrealidade, o sucesso das forças tenebrosas que, aproveitando a combinação da paixão pelo conhecimento com a paixão pela beleza, furaram o cerco apolíneo da razão e abriram o caminho, como sempre acontece, para a destruição e a morte. Escrito em 1937, publicado em 1938, o romance de Gracq parece ser uma premonição e um aviso sobre aquilo que já nessa hora espreitava a Europa e o mundo, como se o tempo do futuro se tivesse antecipado e coagulado simbolicamente numa obra literária.