quarta-feira, 15 de julho de 2020

Cormac McCarthy, O Guarda do Pomar


Publicado em 1965, O Guarda do Pomar, é o primeiro romance do norte-americano Cormac McCarthy. Em 1966 foi-lhe atribuído o William Faulkner Foundation Award. O romance passa-se no tempo da Lei Seca, no Tenessee, em zona montanhosa, num lugarejo denominado Red Branch, e cruza os destinos de três personagens. O velho Arthur Ownby, o guarda de um pomar abandonado, que vive com um cão, um podengo, também ele velho. A paisagem bravia envolvente e ele fundem-se e espelham-se ao longo do romance. O jovem John Rattner, cujo pai foi assassinado, embora ele nunca tenha a certeza disso. O leitor sabe que Kenneth Rattner, o pai, foi morto, sabe quem o matou, as razões do assassinato e o lugar onde o corpo foi escondido. O jovem John e a mãe apenas suspeitam que isso tenha acontecido, dado o desaparecimento dele. Por fim, Marion Sylder um contrabandista de whiskey que matou Kenneth Rattner em autodefesa. Kenneth Rattner, aparentemente uma personagem menor e circunstancial, é o elo que liga, de forma invisível, aquelas três pessoas. Um era filho, o outro o assassino e o terceiro, o velho Ownby, em cujo tanque o cadáver desconhecido tinha sido depositado, que mantém o corpo escondido e ao qual, de certa forma, presta culto.

Uma das questões que se poderá colocar acerca da natureza do romance é se se está perante um romance de formação (Bildungsroman). Na verdade, a personagem central é o jovem Rattner. Central porque é a que possui laços que o ligam tanto a Ownby como a Sylder. O primeiro acaba por dar algum apoio à família Rattner após o desaparecimento do pai. O segundo, na sequência de um acidente em que é socorrido por John, estabelece uma relação com este quase como se fosse um pai substituto. São estes dois homens que, com os seus códigos de valores, ajudam à formação do carácter do órfão. No entanto, formação do carácter não resulta apenas das relações estabelecidas com as outras duas presonagens, mas também com a envolvência natural. A montanha e a floresta parecem ter um poder enorme sobre quem nelas habita e é isso o que autor sublinha. A vida selvagem, as paisagens inóspitas, o exercício da caça, tudo são elementos que vão fortalecer e moldar o jovem Rattner.

As relações de John tanto com Ownby como com Sylder são uma meditação sobre a natureza da família. É verdade que qualquer um destes caracteres é marcado pelo individualismo típico da cultura americana. A independência dos outros e o culto da autonomia estão bem vincados. No entanto, a família, enquanto comunidade de transmissão de valores, tem um papel fundamental. À desestruturação da família Rattner, devido à morte do pai, segue-se uma recomposição noutros termos, onde Arthur Ownby funciona como a imagem de um avô sagaz e a de Sylder, a de um pai que inicia o filho aos mistérios do mundo. Natural ou simbólica, a família é estruturante para a formação do jovem e um contraponto comunitário ao puro individualismo.

Se a formação do jovem Rattner e a família são temas importantes no romance de McCarthy, os temas do paraíso e do paraíso perdido não o são menos. O lugar onde se desenrola a vida das personagens é descrito de forma bastante pormenorizada. Não o lugar social que se descobre evanescente e pouco sólido, mas o lugar natural. A natureza selvagem e luxuriante é descrita com exuberância. As descrições são exercícios de virtuosismo em que o autor parece pretender que o leitor não apenas leia sobre aquele mundo arcaico, mas que o veja, que o consiga projectar diante dos olhos. Este mundo é uma imagem do paraíso e é no paraíso, apesar e tudo, que as personagens vivem. Ora, sempre que existe um paraíso onde as pessoas vivem, existe também uma queda, uma expulsão desse paraíso. Basta uma desobediência ou, talvez de forma mais dramática do que desobedecer, basta crescer para que as portas do paraíso se abram e quem lá vive seja expulso e não mais possa voltar a esse lugar encantado. No entanto, não é Deus que expulsa o homem do paraíso, mas o próprio homem que se expulsa lugar encantado.

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