Como entrar na pequena novela – talvez, e mais propriamente,
um conto – Um Pai de Filme, do chileno Antonio Skármeta? É possível que existam
outros caminhos mais rápidos (a história da fuga do pai e do seu reencontro) ou
mais pitorescos (a ida do jovem professor primário a um bordel para iniciação sexual
– o reitor do liceu também vai às meninas, assegura-lhe o amigo –, a qual pela rapidez
com que se consuma permite descobrir os interesses da rapariga pela Geografia),
mas o que mais me agrada está plasmado na curtíssimo capítulo quatro. O narrador
diz «Em Santiago, pelo contrário, a imprensa publica versos monumentais que aludem
à antiguidade grega e romana, cinzelados em mármore, e que meditam sobre a eternidade
da beleza». E duas linha mais à frente faz, num pequeno parágrafo, a antítese que
estabelece a tensão essencial da narrativa: «Aqui, na província, a beleza nunca
é eterna».
A poesia serve aqui de metáfora para a vida. Na capital, Santiago,
o mundo é, devido à distância, o supralunar da cosmologia aristotélica: perfeito
e eterno. Na aldeia ou na cidade de província mais próxima estamos no mundo sublunar
dado à imperfeição e à existência efémera. Esta antítese, contudo, não é o centro
da história, mas o horizonte onde ela se move, o enquadramento que permite ao autor
focar-se naquilo que é humano e por isso imperfeito, precário, dado à corrupção
e ao desaparecimento, mas também a uma certa figuração intemporal.
No hora em que o protagonista desce do comboio, regressado de
Santiago e com o diploma de professor, para se instalar na aldeia natal e exercer
aí profissão, o pai, francês, sobe para o mesmo comboio para, supostamente, partir
para França, deixando a ele e à mãe no desconsolo de uma aldeia perdida na província
chilena. Eis a efemeridade da família, símbolo e desígnio de todas as outras. A
partir daqui, Skármeta explora as relações de proximidade que se estabelecem naquilo
a que se pode chamar um espaço de partilha e de pertença mútua própria dos pequenos
universos. O professor e a amargurada mãe (está sempre em convalescença desde a
partida do marido), o padeiro – amigo e confidente do pai e iniciador do professor
no universo do prostíbulo –, o aluno espigadote (que sonha, aos 15 anos, perder
a virgindade e escrever poesia), as irmãs casadoiras do aluno, não menos inquietas
do que o irmão, a puta que gostava de Geografia, toda uma paisagem humana que, no
que tem de efémero e incompleto, permite esboçar um retrato eterno da condição humana,
com os seus desejos, ilusões, decepções, mas também com o que o destino traz de
inesperado.
É com esta eternidade nascida do efémero provinciano que a narrativa
fecha: «O chefe da estação faz soar o seu apito e confirma pela décima vez no seu
pulso que são quatro da tarde e que o relógio do cais de embarque está parado há
cinco anos nas três e dez». A reiteração dos gestos e a suspensão do movimento são
a eternidade – o mármore – que, a nós pobres provincianos (e quem não o é?), cabe
em sorte.
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