Aparentemente, o romance de Bernhard Schlink, O Fim de Semana, centra-se na
questão do terrorismo pós-11 de Setembro. Com a libertação, devido a um perdão
presidencial, de um militante da Fracção do Exército Vermelho (RAF) (grupo
Baader-Meinhof), com quatro assassinatos e vários assaltos no currículo, é
colocada a questão não apenas da pertinência do terrorismo dos anos 70, 80 e 90
do século passado como a do seu valor actual, no contexto posterior aos ataques
ao World Trade Center, em
Nova Iorque. A irmã de Jorg, o terrorista libertado, organiza um fim de semana,
para o qual convida os amigos de há 25 anos, mas onde está também presente um
jovem militante esquerdista, que vê no velho combatente da RAF o inspirador e a
autoridade moral para a continuação da luta.
O romance organiza-se em três partes: sexta-feira, sábado e
domingo. Esta relação com a Páscoa dos cristãos não deixa de ser interessante.
Não que a narrativa acompanhe o desenvolvimento do drama pascal. Mas, de certa
forma, inverte-o. A libertação não acontece no domingo, mas na sexta-feira.
Domingo acaba por ser o dia em que Jorg revela a sua condenação à morte, devido
a um câncer. Esta inversão pascal mostra-nos, de imediato, que não é a
libertação que está em jogo, mas uma condenação que, apesar do perdão dos
homens, é trazida pela própria natureza. Mas este é apenas um aspecto
ideológico secundário.
Nestes três dias, não apenas Jorg é confrontado com o seu passado,
mas todos aqueles que estão presentes, e que não foram militantes da RAF,
apesar da sua simpatia inicial com o esquerdismo vindo de 68, confrontam a sua
própria existência e o sentido das suas vidas burguesas. No centro destas
reflexões e discussões está a disputa entre a irmã de Jorg e o jovem militante
esquerdista pela alma, digamos assim, de Jorg. A irmã, que de certa forma foi
também mãe e que o denunciou à polícia para que não fosse morto numa operação,
quer integrar Jorg num mundo normal. O jovem militante, pelo contrário, faz
tudo para comprometer o antigo militante da RAF nas novas formas de combate
político violento.
Contudo, o essencial do romance estará noutro lado. Centra-se na
tensão entre tolerância e intolerância na sociedade germânica. Não nos
esqueçamos que a Reforma luterana nasceu na Alemanha. É com ela, devido às
guerras religiosas na Europa, que a questão da tolerância é colocada em
múltiplos países. Schlink, de certa forma, interroga-se sobre este paradoxo. A
insensibilidade ao outro, a intolerância rácica e religiosa que marca a
Alemanha nazi não morre com o fim do nazismo. O terrorismo dos Baader-Meinhof é
uma outra manifestação dessa terrível intolerância. O romance de Schlink não é
um mero ajuste de contas com essa intolerância. Podemos, antes, ler nele o
levantamento de um problema. Não é só o jovem militante radical que quer
seduzir Jorg para a continuação na luta que mostra a continuidade da
intolerância.
Também a atitude de Ferdinand (a introdução deste na história é
uma surpresa muito bem conseguida), o filho que Jorg não conhece, evidencia que
a intolerância germânica não é um problema resolvido com a eliminação do
terrorismo esquerdista. Ferdinand, depois de se revelar como filho de Jorg,
mostra-se tão intolerante com o pai e o passado deste, quanto este foi com a
geração anterior. A transição do conflito do âmbito puramente político para uma
dimensão familiar tem um efeito devastador. Schlink, ao estabelecer essa
conexão, levanta a questão da atitude intolerante estar inscrita bem mais fundo
do que na mera conjuntura política. É como se ela fosse um traço de carácter
hereditário, uma herança que não termina.
O fim de semana, esse tempo pascal de carácter tripartido, não
tinha como finalidade mostrar como o cordeiro sacrificado se poderia libertar
da morte. Pelo contrário, o que está em jogo, no romance de Schlink, é tornar
evidente uma longa tradição de lobos sempre dispostos, em nome de ideias e
valores trazidos por uma qualquer forma de racionalização, à devastação dos
rebanhos. Jorg nunca concede que os seus actos foram intrinsecamente maus. A
única coisa má neles é que foram inúteis, pois não conduziram a uma vitória. O
romance é uma revelação do carácter de Jorg e não a narrativa de uma
metamorfose, uma descoberta de si, uma conversão. Um lobo nunca deixa de ser
lobo, e será que os filhos dos lobos serão cordeiros? Só um alemão poderia ter
escrito este romance sem ser acusado de germanofobia.