Publicado em 1965, O
Guarda do Pomar, é o primeiro romance do norte-americano Cormac McCarthy.
Em 1966 foi-lhe atribuído o William
Faulkner Foundation Award. O romance passa-se no tempo da Lei Seca, no
Tenessee, em zona montanhosa, num lugarejo denominado Red Branch, e cruza os destinos de três personagens. O velho Arthur
Ownby, o guarda de um pomar abandonado, que vive com um cão, um podengo, também
ele velho. A paisagem bravia envolvente e ele fundem-se e espelham-se ao longo
do romance. O jovem John Rattner, cujo pai foi assassinado, embora ele nunca
tenha a certeza disso. O leitor sabe que Kenneth Rattner, o pai, foi morto,
sabe quem o matou, as razões do assassinato e o lugar onde o corpo foi
escondido. O jovem John e a mãe apenas suspeitam que isso tenha acontecido,
dado o desaparecimento dele. Por fim, Marion Sylder um contrabandista de
whiskey que matou Kenneth Rattner em autodefesa. Kenneth Rattner, aparentemente
uma personagem menor e circunstancial, é o elo que liga, de forma invisível,
aquelas três pessoas. Um era filho, o outro o assassino e o terceiro, o velho
Ownby, em cujo tanque o cadáver desconhecido tinha sido depositado, que mantém o
corpo escondido e ao qual, de certa forma, presta culto.
Uma das questões que se poderá colocar acerca da natureza do
romance é se se está perante um romance de formação (Bildungsroman). Na verdade, a personagem central é o jovem Rattner.
Central porque é a que possui laços que o ligam tanto a Ownby como a Sylder. O
primeiro acaba por dar algum apoio à família Rattner após o desaparecimento do
pai. O segundo, na sequência de um acidente em que é socorrido por John,
estabelece uma relação com este quase como se fosse um pai substituto. São
estes dois homens que, com os seus códigos de valores, ajudam à formação do
carácter do órfão. No entanto, formação do carácter não resulta apenas das
relações estabelecidas com as outras duas presonagens, mas também com a
envolvência natural. A montanha e a floresta parecem ter um poder enorme sobre
quem nelas habita e é isso o que autor sublinha. A vida selvagem, as paisagens
inóspitas, o exercício da caça, tudo são elementos que vão fortalecer e moldar
o jovem Rattner.
As relações de John tanto com Ownby como com Sylder são uma
meditação sobre a natureza da família. É verdade que qualquer um destes
caracteres é marcado pelo individualismo típico da cultura americana. A
independência dos outros e o culto da autonomia estão bem vincados. No entanto,
a família, enquanto comunidade de transmissão de valores, tem um papel
fundamental. À desestruturação da família Rattner, devido à morte do pai,
segue-se uma recomposição noutros termos, onde Arthur Ownby funciona como a
imagem de um avô sagaz e a de Sylder, a de um pai que inicia o filho aos
mistérios do mundo. Natural ou simbólica, a família é estruturante para a
formação do jovem e um contraponto comunitário ao puro individualismo.
Se a formação do jovem Rattner e a família são temas
importantes no romance de McCarthy, os temas do paraíso e do paraíso perdido
não o são menos. O lugar onde se desenrola a vida das personagens é descrito de
forma bastante pormenorizada. Não o lugar social que se descobre evanescente e
pouco sólido, mas o lugar natural. A natureza selvagem e luxuriante é descrita
com exuberância. As descrições são exercícios de virtuosismo em que o autor
parece pretender que o leitor não apenas leia sobre aquele mundo arcaico, mas
que o veja, que o consiga projectar diante dos olhos. Este mundo é uma imagem
do paraíso e é no paraíso, apesar e tudo, que as personagens vivem. Ora, sempre
que existe um paraíso onde as pessoas vivem, existe também uma queda, uma
expulsão desse paraíso. Basta uma desobediência ou, talvez de forma mais
dramática do que desobedecer, basta crescer para que as portas do paraíso se
abram e quem lá vive seja expulso e não mais possa voltar a esse lugar
encantado. No entanto, não é Deus que expulsa o homem do paraíso, mas o próprio
homem que se expulsa lugar encantado.
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